segunda-feira, 25 de setembro de 2017

NOCTURAMA



Olhei meus dicionários e constatei: Nocturama não é uma palavra portuguesa. Na Espanha pode significar gramado, ar livre, verão, música, concertos. Tem até um festival de música chamado Nocturama Agosto. E em 2003 o músico australiano Nick Cave lançou um álbum com esse nome. Mas confesso que todas essas informações eu só obtive agora ao escrever este texto.

Depois que vi o filme, na sexta (14/07), esta palavra tem me acompanhado. Não é à toa. Foi na sessão das 19 horas, da categoria competitiva, na Mostra Internacional de Cinema de São Luís (de 12 a 18 de julho de 2017). Devido a minha pretensão de escrever um texto, como tarefa escolar da Oficina de Crítica Cinematográfica, ministrada por Marcio Sallem, não quis ler nada a respeito do filme, para manter-me o mais isento possível.

Nessa coisa de deixa pra depois; vai, não-vai; escreve, não-escreve; não é que chegou o dia final da Mostra? Teve premiação e tudo. E lá se foi grande parte da isenção. Isso porque Nocturama, do diretor Bertrand Bonello foi premiado em quatro categorias, na mostra competitiva de longas: melhor filme, melhor direção, melhor fotografia e melhor som, além de menção honrosa ao elenco.

Não me surpreendeu a premiação. Nocturama é o melhor dos filmes que eu pude ver na Mostra. A surpresa, no entanto, esteve comigo junto à minha poltrona, na ocasião da projeção. Não havia suposto que um filme com esse nome, cuja foto-anúncio (na Mostra) de um garoto mascarado à frente de um espelho, pudesse ser grande coisa. Pois é!

Que a fotografia e o som são bons, já se percebe no início. Os dados da direção vão aparecendo aos poucos. É como irmos a um local em que as coisas parecem estar certinhas, cada qual no seu lugar. À medida que se adentra, percebe-se capricho, zelo, organização. Ao pensar num diretor que tenha conseguido apresentar a trama (enredo me é mais familiar) com tamanha desenvoltura, ocorreu-me cogitar que ele devesse ter grande afinidade com o escritor. Ao verificar a ficha técnica do filme, deparei-me com o obvio: Bonello é também o roteirista. Eis um caso em que, às vezes, dizemos: só podia ser! Faltou, portanto, na mostra ludovicence, o prêmio de melhor roteiro.

Aí os jovens vão sendo iluminados separadamente e ficamos com a impressão de que estariam saindo da periferia em direção a um ponto central de Paris. Não parece que estão indo a uma festa. Estão calmos, porém concentrados, focados. Pode-se pensar que estariam empenhados em algo como um Trabalho de Conclusão de Curso e estão a caminho para defendê-lo. A conexão entre eles surge paulatinamente, mas o objetivo deles não nos é revelado. Quando se tem mais intimidade com os caras, começamos a pensar que boa coisa não estão a tramar. Seria um roubo, um assassinato? Não se sabe antes da hora. Parte dessa ignorância é devida à falta de perfis dos personagens. Os meninos e meninas são apresentados, um a um, sem crises existenciais, despidos de conflitos domésticos, dissociados de problemas políticos, econômicos e sociais. Sabe-se lá de onde vieram! Só uma coisa é certa, se considerarmos seus tipos físicos: são de etnias diversas.

Após uma série de explosões quase simultâneas, podemos compreender que toda aquela movimentação, vista desde o inicio da sessão, deveu-se à necessidade operacional e logística de distribuir as cargas explosivas nos diversos pontos previamente escolhidos. Pronto! A meninada mostra competência, independentemente do juízo de valor que o espectador possa vir a fazer. Eu cá tenho a minha impressão. Eles conseguiram. E daí? Daí que eu não acho difícil fazer o que fizeram. Será que fariam bem algo contrário? Eles pertencem ao grupo de pessoas que vive nesse nosso mundo para destruir o que faz, com dedicação e sacrifício, o outro grupo: os construtores.

Depois da ação perpetrada pode-se cogitar o grau de organização, planejamento e treinamento que devem ter tido. Além disso, podemos conjeturar que alguns deles, ou todos, devam pertencer a algum grupo terrorista empenhado em levar a destruição à Europa. E o espectador pode fazer mil suposições antes do final do filme, porque não fica claro o objetivo maior da ação nem a subordinação dos jovens a qualquer dessas organizações criminosas conhecidas, haja vista que não há a tradicional reivindicação de autoria. Não se percebe nem a típica relação hierárquica, com um chefe ou mentor facilmente identificável.

Uma grande loja é o local de reunião após a ação. À noite, fora do expediente e de portas fechadas, os seis rapazes e duas moças, agora terroristas, insinuam fazer uma avaliação. O espectador pode ter a impressão de que cada um deles reage e espera resultados e consequências distintas. As perguntas ficam no ar. O que há de comum é o medo de terem deixado alguma pista, consequência de alguma falha, que os leve à prisão ou ao desfecho lógico desse mundo de ações violentas, comum neste tipo de filme: a morte.