Olhei
meus dicionários e constatei: Nocturama não é uma palavra portuguesa. Na
Espanha pode significar gramado, ar livre, verão, música, concertos. Tem até um
festival de música chamado Nocturama Agosto. E em 2003 o músico australiano Nick
Cave lançou um álbum com esse nome. Mas confesso que todas essas informações eu
só obtive agora ao escrever este texto.
Depois
que vi o filme, na sexta (14/07), esta palavra tem me acompanhado. Não é à toa.
Foi na sessão das 19 horas, da categoria competitiva, na Mostra Internacional
de Cinema de São Luís (de 12 a 18 de julho de 2017). Devido a minha pretensão
de escrever um texto, como tarefa escolar da Oficina de Crítica
Cinematográfica, ministrada por Marcio Sallem, não quis ler nada a respeito do
filme, para manter-me o mais isento possível.
Nessa
coisa de deixa pra depois; vai, não-vai; escreve, não-escreve; não é que chegou
o dia final da Mostra? Teve premiação e tudo. E lá se foi grande parte da
isenção. Isso porque Nocturama, do diretor Bertrand Bonello foi premiado em
quatro categorias, na mostra competitiva de longas: melhor filme, melhor
direção, melhor fotografia e melhor som, além de menção honrosa ao elenco.
Não
me surpreendeu a premiação. Nocturama é o melhor dos filmes que eu pude ver na
Mostra. A surpresa, no entanto, esteve comigo junto à minha poltrona, na
ocasião da projeção. Não havia suposto que um filme com esse nome, cuja
foto-anúncio (na Mostra) de um garoto mascarado à frente de um espelho, pudesse
ser grande coisa. Pois é!
Que
a fotografia e o som são bons, já se percebe no início. Os dados da direção vão
aparecendo aos poucos. É como irmos a um local em que as coisas parecem estar
certinhas, cada qual no seu lugar. À medida que se adentra, percebe-se capricho,
zelo, organização. Ao pensar num diretor que tenha conseguido apresentar a
trama (enredo me é mais familiar) com tamanha desenvoltura, ocorreu-me cogitar
que ele devesse ter grande afinidade com o escritor. Ao verificar a ficha
técnica do filme, deparei-me com o obvio: Bonello é também o roteirista. Eis um
caso em que, às vezes, dizemos: só podia ser! Faltou, portanto, na mostra
ludovicence, o prêmio de melhor roteiro.
Aí
os jovens vão sendo iluminados separadamente e ficamos com a impressão de que
estariam saindo da periferia em direção a um ponto central de Paris. Não parece
que estão indo a uma festa. Estão calmos, porém concentrados, focados. Pode-se pensar que estariam empenhados em algo como um Trabalho de Conclusão de
Curso e estão a caminho para defendê-lo. A conexão entre eles surge
paulatinamente, mas o objetivo deles não nos é revelado. Quando se tem mais
intimidade com os caras, começamos a pensar que boa coisa não estão a tramar.
Seria um roubo, um assassinato? Não se sabe antes da hora. Parte dessa
ignorância é devida à falta de perfis dos personagens. Os meninos e meninas são
apresentados, um a um, sem crises existenciais, despidos de conflitos
domésticos, dissociados de problemas políticos, econômicos e sociais. Sabe-se
lá de onde vieram! Só uma coisa é certa, se considerarmos
seus tipos físicos: são de etnias diversas.
Após
uma série de explosões quase simultâneas, podemos compreender que toda aquela
movimentação, vista desde o inicio da sessão, deveu-se à necessidade operacional
e logística de distribuir as cargas explosivas nos diversos pontos previamente
escolhidos. Pronto! A meninada mostra competência, independentemente do juízo
de valor que o espectador possa vir a fazer. Eu cá tenho a minha impressão. Eles
conseguiram. E daí? Daí que eu não acho difícil fazer o que fizeram. Será que
fariam bem algo contrário? Eles pertencem ao grupo de pessoas que vive nesse
nosso mundo para destruir o que faz, com dedicação e sacrifício, o outro
grupo: os construtores.
Depois
da ação perpetrada pode-se cogitar o grau de organização, planejamento e
treinamento que devem ter tido. Além disso, podemos conjeturar que alguns deles,
ou todos, devam pertencer a algum grupo terrorista empenhado em levar a
destruição à Europa. E o espectador pode fazer mil suposições antes do final do
filme, porque não fica claro o objetivo maior da ação nem a subordinação dos
jovens a qualquer dessas organizações criminosas conhecidas, haja vista que não
há a tradicional reivindicação de autoria. Não se percebe nem a típica relação
hierárquica, com um chefe ou mentor facilmente identificável.
Uma
grande loja é o local de reunião após a ação. À noite, fora do expediente e de
portas fechadas, os seis rapazes e duas moças, agora terroristas, insinuam
fazer uma avaliação. O espectador pode ter a impressão de que cada um deles
reage e espera resultados e consequências distintas. As perguntas ficam no ar. O
que há de comum é o medo de terem deixado alguma pista, consequência de alguma
falha, que os leve à prisão ou ao desfecho lógico desse mundo de ações
violentas, comum neste tipo de filme: a morte.